BOLSAS ABREM PORTAS PARA EDUCAÇÃO DE PONTA, MAS COLOCAM ALUNOS EM SITUAÇÕES CONSTRANGEDORAS Algumas das escolas com as mensalidades mais caras na cidade de São Paulo, que variam entre R$ 3 mil e R$ 16 mil, oferecem bolsas de estudo a alunos de baixa renda e a estudantes negros. Dessa forma, os jovens selecionados pelas ações afirmativas têm a oportunidade de acessar um tipo de ensino que normalmente não teriam ao longo de suas formações. Se, por um lado, esse tipo de projeto abre portas para uma educação de ponta, de outro, pode levar o aluno bolsista a ser "jogado" numa realidade completamente diferente da sua, onde o "normal" é ser branco e rico — e ser algo diferente disso pode ser motivo para preconceitos e agressões. Quando a escola não está realmente preparada para receber esse tipo de diversidade, as consequências podem ser muitas. "Ao introduzir crianças e adolescentes nessas instituições sem o devido acompanhamento, estamos potencializando violências que fazem parte de suas vidas e que os colégios jamais poderiam ignorar. A entrada nesses ambientes, visto como um privilégio do qual se espera gratidão, costuma ser a reedição das humilhações diárias dessa população", apontou Vera Iaconelli, doutora em psicologia pela Universidade de São Paulo (USP), em artigo publicado na Folha de S. Paulo. Ainda assim, a adoção de políticas afirmativas por parte desses colégios é algo muito benéfico em diferentes níveis. Léo Bento, especialista em relações raciais e consultor de diversidade, equidade e inclusão da Inaperê, explica: "Garante acesso de pessoas que têm condições de atuar nesses espaços, pode reverberar numa mudança social não só sua, mas da sua família também. Se beneficia também quem vai conviver com os bolsistas por conta de uma ampliação da diversidade e a possibilidade de ver o mundo de forma diferente, de ter outras experiências que não sejam somente aquelas conhecidas por pessoas de classe média e classe média alta". Episódios recentes trouxeram à tona essa reflexão, como um caso de racismo e homofobia no Colégio Bandeirantes, o caso envolvendo uma das filhas da atriz Samara Felippo na Escola Vera Cruz. Em 2022, pais de alunos disseram que o diretor do Colégio São Domingos era omisso diante de casos de racismo; no mesmo ano, o Colégio Porto Seguro foi acusado de separar fisicamente alunos bolsistas e pagantes. Mestre em História da Educação, Léo Bento aponta que as escolas de elite que oferecem bolsas, sobretudo com recorte racial, devem implementar, no mínimo, quatro medidas: letramento racial, comissão antirracista, política de contratação afirmativa e análise de currículo. "Quando a gente tem essa ampliação da diversidade, é necessário que a escola faça um dever de casa anterior às bolsas, anterior a essa ampliação da diversidade só para cumprir uma demanda de marketing positivo", explicou. Quando oferecidas com a seriedade devida, as políticas de bolsas de estudo tendem a promover uma transformação na vida do aluno. "Esses programas, embora sejam desafiadores e tenham uma dinâmica que requer certo esforço de quem vai implementar, são muito benéficos", destaca Léo Bento. "É benéfico para as crianças que entram, para as famílias, porque isso dá uma expectativa de mudança na questão socioeconômica. É positivo para quem recebe esses estudantes, para quem convive com esses estudantes, porque vão passar a ter uma relação direta com pessoas que vivenciam outras realidades. É benéfico também para a sociedade, porque a gente acaba tendo pessoas que estão se tornando cidadãs nas escolas pelo país". O especialista compara as bolsas em colégios com o bem-sucedido programa de cotas em universidades, que contou com o pioneirismo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. "Se a gente pegar a UERJ, que começou o programa em 2002, pegar as universidades federais, até mesmo as pessoas que entraram através do ProUni, os estudos apontam que os alunos bolsistas acabam tendo um desempenho melhor do que os estudantes que entraram sem ser através das bolsas". Já em relação à experiência com os alunos em colégios, Léo percebeu que os bolsistas podem apresentar, num primeiro momento, maior dificuldade nas disciplinas primárias, como matemática e português, mas, com acompanhamento adequado, esses estudantes logo equiparam o nível educacional com os pagantes. De tempos em tempos, surgem casos de preconceito contra alunos bolsistas em colégios particulares na cidade de São Paulo. Em abril deste ano, a filha de 14 anos da atriz Samara Felippo foi vítima de racismo na escola de alto padrão Vera Cruz, na Zona Oeste da capital. Duas alunas do 9° ano pegaram um caderno da garota, que é negra, arrancaram as folhas e escreveram uma ofensa racista em uma das páginas. Na sequência, o caderno foi devolvido aos achados e perdidos. No final de 2023, a mãe de um adolescente de 15 anos denunciou o colégio Ábaco, na Zona Oeste, por se omitir diante de casos de racismo sofridos pelo filho. A mulher conta que o adolescente estava em sala de aula quando outro aluno apontou para a figura de um macaco e disse que era o garoto. Em outra ocasião, durante uma aula de história, o mesmo menino, de 13 anos, chamou a vítima de "escravo" e "preto adotado". Em 2022, reportagem da Ponte Jornalismo revelou que pais de alunos e ex-alunos do Colégio São Domingos, na Zona Oeste, disseram que o diretor da instituição "sempre teve uma postura de negação em relação a casos de racismo dentro ambiente escolar e que nunca se mostrou favorável para que ações de combate à intolerância racial fossem implementadas na instituição". Ele foi demitido em 2023. No mesmo ano, organizações da sociedade civil, incluindo a ONG Educafro, acusaram o Colégio Porto Seguro, na Zona Sul, de segregar alunos bolsistas e pagantes em prédios diferentes e pediram indenização de R$ 15 milhões. "Antes, o colégio alemão Porto Seguro tinha os pobres negros e os pobres brancos nas mesmas salas com os ricos. Em um certo momento, ela importou dos Estados Unidos essa doutrina do 'separado, mas iguais'. Construiu um outro prédio e lá colocou todos os bolsistas negros e brancos e gerou uma qualidade inferior [de ensino]. Esses alunos não têm direitos iguais, não podem frequentar piscina", relatou Frei Davi, diretor-executivo da Educafro, à GloboNews. Para o especialista em relações raciais Léo Bento, não basta ampliar a diversidade por meio das bolsas, é necessário se planejar para realizar a inclusão. "As escolas precisam parar imediatamente de tratar os estudantes bolsistas numa relação de gratidão, que eles precisam ter uma gratidão por ter a bolsa. Essas distinções ferem a autoestima dessas crianças. Precisa ter um olhar que seja de equidade, tratar todos os estudantes de forma que eles estejam num mesmo ambiente de forma equitativa", apontou. Fonte: portal de notícias G1
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Boletim Diretor - Colégio 24 Horas |